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Lideranças do Congresso à frente do projeto que visa ampliar a proteção a políticos, apelidada de “PEC da Blindagem”, discutem incluir no texto a garantia de que parlamentares investigados pela Justiça tenham acesso irrestrito, inclusive a trechos protegidos por sigilo, dos inquéritos em curso contra eles mesmos. Há ainda a intenção de criar regras mais rígidas para a prorrogação das investigações, além de proibir operações de busca e apreensão nas dependências do Congresso. Apesar de contar com apoio de deputados de diferentes alas na Casa, a matéria deve encontrar resistências caso chegue ao Senado. Entidades e especialistas criticam.
A PEC, que ainda não foi apresentada formalmente, pretende consolidar um pacote de medidas para blindar deputados e senadores de investigações e operações policiais — principalmente do Supremo Tribunal Federal (STF). Outros pontos em discussão preveem exigir que o Congresso dê autorização para o início de apurações contra parlamentares e acabar com o foro privilegiado de congressistas, o que empurraria todos os processos à primeira instância.
A iniciativa tem apoio no Centrão, na oposição e até entre governistas. Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que, se houver alterações legislativas neste sentido, “terão que ser negociadas entre Câmara e Senado”. O presidente da Casa vizinha, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já se disse contra e deu o tom de resistência entre os senadores.
Ministros do STF ouvidos sob reserva veem a iniciativa com cautela e acreditam que é difícil que ela seja de fato implementada — seja pelo ambiente político ou pelos questionamentos à própria Corte que eventualmente surgirão em caso de aprovação.
Hoje, os ministros do Supremo costumam limitar o acesso dos investigados aos trechos de inquéritos que lhes digam respeito, e somente após a realização de operações de busca e apreensão e da análise do material apreendido. Antes disso, documentos, delações ou evidências que ainda não vieram à tona são mantidos sob sigilo até mesmo dos alvos.
— Não pode ter sigilo para a parte, que não pode ser processada sem saber do que está sendo acusada e sem conhecer as provas. Como ela pode se defender? É cumprir o devido processo legal, a ampla defesa e o direito ao contraditório — defendeu o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA).
Para representantes do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, o fim do sigilo para os próprios parlamentares pode inibir a produção de novas provas que ainda dependam de interceptações, dificultar operações de busca e apreensão e até mesmo colocar em risco a proteção de testemunhas. Um subprocurador lembrou, reservadamente, que não cabe o contraditório em uma fase de investigação, já que não faz sentido um investigado conhecer o que está sendo produzido contra ele.
Ministros do STF, por sua vez, lembram que o “acesso amplo” aos autos de procedimentos investigatórios já é garantido por uma súmula editada em 2006 pelo tribunal. A inviabilidade do acesso se restringe, portanto, apenas a procedimentos investigatórios não concluídos, como uma interceptação telefônica que está sendo realizada.
A discussão da PEC ganhou fôlego na Câmara após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizar medidas contra os deputados Carlos Jordy (PL-RJ) e Alexandre Ramagem (PL-RJ). Com o fim do foro, que está em discussão, parlamentares sairiam da alçada de Moraes. Hoje, deputados federais e senadores têm a prerrogativa de serem julgados pelo Supremo em questões envolvendo o exercício do cargo.
Jordy se tornou alvo da Polícia Federal por suposto envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, enquanto Ramagem é investigado por conta do monitoramento ilegal feito pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro.
— Eu defendo a retirada do foro do STF. Hoje, o deputado só é julgado por uma instância, é um absurdo. Acredito em um conjunto de medidas, sim. O sentimento de todos é votar uma defesa do Parlamento ainda no primeiro semestre — afirmou o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ).
Um dos caminhos em discussão é impor limites mais rígidos em relação à duração dos inquéritos — hoje, não há prazo máximo no caso de investigados que estão soltos. Embora o governo ainda não tenha se manifestado sobre o projeto, a maioria das lideranças de partidos da base se manifestou a favor da PEC em reuniões recentes entre os caciques partidários. Líder do PP, Doutor Luizinho (RJ) afirma que as discussões estão em andamento, mas que ainda não se chegou a uma versão final do texto:
— Temos uma preocupação grande, coletiva e unânime entre os líderes, pelo respeito ao exercício dos mandatos. Temos dialogado e tentado encontrar um meio-termo.
Investigações mirando parlamentares sempre causaram tensões entre Legislativo e Judiciário. Em 2016, o STF determinou que as operações de busca e apreensão nas dependências do Congresso não dependiam de autorização da Mesa Diretora, porque o mecanismo poderia comprometer a eficácia da medida. Em 2021, houve a tentativa de aprovar o que ficou conhecido como PEC da Impunidade, que condicionava a prisão de parlamentares à aprovação do Congresso. Com a reação, o texto acabou engavetado. Na ocasião, a iniciativa serviu como resposta à prisão do então deputado Daniel Silveira, que foi preso após atacar o STF e seus ministros.
Especialistas criticam a ofensiva. Para o advogado Gustavo Sampaio, professor de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), há um “excesso” na proposta de submeter o início das investigações ao aval prévio do Congresso.
— Sou absolutamente contra esse condicionamento, que representa uma reação legislativa reacionária à pressão do sistema de Justiça criminal, que começa a investigar parlamentares de forma constante. É uma espécie de escudo que deputados estão querendo colocar para torná-los intocáveis, o que não é bom.
O professor de Direito da FGV-SP Roberto Dias entende que a PEC tem caráter corporativista de proteção de parlamentares e visa reforçar o discurso de que há uma tentativa de frear abusos do poder Judiciário.
— É um combate ao STF que ocorre há muitos anos, mas que se acirrou durante o governo Bolsonaro. A PEC me parece uma forma de gerar certas restrições para impedir o processo, a investigação e a eventual condenação de parlamentares que tenham cometido crimes, o que é um grande problema.