MENU

preconceito
A discriminação em processos judiciais por questões de gênero ainda é uma realidade no Brasil, afirmam especialista na área. Por isso, o Brasil tem se posicionado a favor da adoção de um documento latino-americano para incentivar a formação de uma cultura jurídica emancipatória e de reconhecimento de direitos de todas as mulheres. Esse foi o objetivo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao lançar em 2021 o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. No mês da mulher, especialistas explicam um pouco mais sobre esse documento e como ele está provocando mudanças no judiciário brasileiro após três anos.
O advogado previdenciarista Jefferson Maleski, comenta que esse foi um problema levantado por quem vê isso na prática. “Esses debates chegaram no CNJ que, preocupado com essa discriminação de gênero, elaborou um grupo de trabalho para levantar os principais motivos de discriminação em casos judiciais. Essas falhas acontecem em todas as áreas do direito”.
Maleski explica que, em muitos processos em que a parte requerida é a mulher, a exigência de documentação por parte dos juízes é maior, assim como é menor a flexibilidade para se aceitar algumas situações que são naturalmente acolhidas quando o caso envolve homens.
Vara de família
A advogada familiarista Ana Luisa Lopes Moreira, ressalta como é a discriminação em sua área de atuação. “Geralmente, em ações de alimento, o padrão de valor estipulado é de 30% do salário mínimo, ou do salário do genitor, mais 50% dividido das despesas extraordinárias que se dividem entre os genitores, como um dentista, por exemplo. Por aí já se pode ver que o desgaste maior recai na mulher, pois os gastos com a criança são, em regra, maiores que aqueles 30% e a mãe vai se virar para suprir”.
Segundo Moreira, ao determinar o valor da pensão, a doutrina sugere considerar três coisas: se o valor é justo (razoabilidade), o quanto o pai pode pagar (possibilidade) e o que a criança realmente precisa (necessidade). “Entretanto, na prática, o que mais importa é quanto o pai pode pagar, o que acaba afetando o que é considerado justo. Muitas vezes, os juízes não levam em conta as possibilidades da mãe e os custos totais de cuidar da criança, priorizando demais o que o pai pode pagar em detrimento desses outros aspectos importantes. Geralmente, a mãe não diminui o padrão de vida da criança e acaba ficando com a maior parte das despesas. Isso sem mencionar que ela já está emocionalmente sobrecarregada por lidar com o abandono emocional do filho, que na maioria das vezes é causado pelo pai”.
Na prática
Jefferson Maleski destaca como o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero tem sido aplicado. “O CNJ vem determinando que em cada região judiciária, cada vara, cada comarca, tenha pelo menos um juiz ou uma juíza com treinamento, com curso de protocolo de gênero, para que ele possa divulgar essas informações. O ideal seria que todos os juízes passassem por esse treinamento para identificar essas discriminações e passar a utilizar nos seus julgamentos, evitando essa discriminação”, afirma.
Ele explica que no poder judiciário as mudanças práticas só se tornam visíveis após alguns anos, por isso ainda é muito cedo para falar de mudanças ou resultados. Mas, enquanto isso não acontece, ele destaca a importância da sociedade estar em alerta quanto a este tema e da atuação dos colegas. “Cabe aos advogados levantar essa questão nas suas peças. Ele tem que apontar que está acontecendo uma discriminação, alguma coisa relacionada ao gênero. Mostrar que ali, se fosse um caso inverso, não estaria sendo feita aquela exigência pelo juiz. E se o juiz não entender, recorrer para as instâncias superiores, até mesmo para chegar ao CNJ, que vai intervir e demonstrar também que precisa haver uma mudança, uma correção nesses julgados”, pontua.
• IBGE inclui perguntas sobre identidade de gênero e orientação sexual em nova pesquisa