A sexta-feira santa é uma data especial para Umbanda. É quando acontece o ritual da “Kura” (fechamento de corpo), herança de povos africanos. Em Goiânia, um dos terreiros que realiza o Fecha Corpo é a Casa Espírita São Miguel Arcanjo, que funciona em uma casa simples do setor Universitário.
O Fecha Corpo é uma bebida preparada pelos médiuns da Casa a partir de uma lista de dezenas de ervas ditadas pela entidade Pai João, repassadas ao dirigente do local, Zelismar Pereira. Após a reunião dos itens, os médiuns se reúnem e fazem a preparação que inclui vinho branco e pinga para a conservação das ervas.
“Trata-se de um remédio que a espiritualidade nos passa para a proteção. É uma tradição muito antiga, que sobrevive nos terreiros, e que resguarda a sabedoria do povo em utilizar as ervas. Porque não basta juntar ervas, tem que ter a sabedoria e a proteção dos antigos para que o resultado seja a proteção e abertura de caminhos de quem toma aquela colherzinha de Fecha Corpo”, explica Zelismar.
O Conselho de Umbanda do Estado de Goiás (Cuego) prepara uma grande procissão em homenagem aos Pretos Velhos, partindo da Casa São Miguel Arcanjo em direção à Praça Cívica, que será realizada no primeiro domingo de Maio. A procissão também é uma homenagem à Vó Erotildes, que realizava procissões pelo bairro. A iniciativa deve reunir terreiros de Goiânia, Aparecida e cidades da Região Metropolitana.
São Miguel Arcanjo
A Casa Espírita São Miguel Arcanjo começou há mais de 50 anos com Vó Erotildes. A benzedeira era descendente direta de escravos e trabalhou para a família do então prefeito de Goiânia, Hélio Seixo de Brito. Responsável pelo zelo espiritual da família do político, Erotildes do Carmo, chamada pela família de Tildes, passou a ocupar um pequeno lote no Setor Universitário, e em sua casa começou a realizar rezas, benzimentos e atendimentos a partir de saberes ancestrais.
Após sua morte, há quase 10 anos, coube a um dos médiuns da Casa, Zelismar Pereira, dar continuidade ao trabalho espiritual na Casa Espírita São Miguel Arcanjo. O nome “Casa Espírita” é comum aos terreiros de umbanda mais antigos, que eram assim designados devido à maior facilidade de aquisição de documentação, e para driblar o preconceito com as religiões afro-brasileiras. Atualmente, o padrinho Zelismar, como é conhecido, conduz os trabalhos ao lado de Maria de Lurdes, conhecida como madrinha Ester.
“Vamos seguir com a missão dada pela Vó até quando a espiritualidade permitir. Todos os ensinamentos, forma de atendimento, trabalhos e rituais foram ensinados por ela e nosso trabalho é preservar e ensinar esses saberes. A umbanda não tem um livro, uma bíblia por exemplo, então a oralidade e o exemplo são passados dos mais antigos para os mais novos”, explica Zelismar.
A Casa preserva, entre suas muitas tradições, o piso de terra. Na verdade, trata-se de areia do mar em homenagem a Iemanjá. No altar, as sete linhas de umbanda estão presentes, com imagens de orixás e de entidades como pretos velhos, caboclos e boiadeiros. O sincretismo religioso, uma das marcas da Umbanda — religião que nasceu no Brasil — está presente a todo o momento. Nas orações feitas durante as reuniões e no altar com a imagem de Jesus Cristo e de São Miguel Arcanjo.
“A Umbanda respeita, acolhe e dialoga com todas as religiões. Nossa Casa está aberta a todas as pessoas, e o único intuito da verdadeira Umbanda é a caridade. Hoje temos visto muitas pessoas usando a fé para fins egoístas, mas acreditamos que o respeito aos saberes antigos indicam o caminho que devemos seguir, tratando das pessoas e zelando do sagrado”, defende o dirigente da Casa.