As investigações da Polícia Federal sugerem que pessoas do entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentaram elaborar uma fundamentação jurídica para legitimar o golpe de Estado que pretendiam executar após a derrota nas eleições presidenciais de 2022.
O que foram as minutas do golpe?
As minutas foram textos de decretos produzidos pelo entorno de Jair Bolsonaro após a derrota nas eleições de 2022, com o objetivo de tentar elaborar uma fundamentação jurídica para a realização de novas eleições o que seria, na prática, um golpe de Estado.
Quem se envolveu na elaboração das minutas?
Na decisão de busca e apreensão contra Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, citou um “núcleo jurídico” que seria responsável pelo “assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado”.
Desse núcleo, segundo o ministro, faziam parte o ex-assessor Filipe Martins, o ex-ministro Anderson Torres, o advogado Amauri Saad, o padre José Eduardo de Oliveira e Silva e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Algum documento do tipo chegou a Bolsonaro?
As investigações da Polícia Federal, com base no acordo de colaboração premiada de Mauro Cid, indicam que em novembro de 2022 Bolsonaro recebeu uma minuta de golpe das mãos do ex-assessor Filipe Martins e do advogado Amauri Saad.
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Qual era o conteúdo desta minuta?
O documento detalhava supostas interferências do Poder Judiciário no Executivo e decretava a prisão de diversas autoridades, como os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O decreto também previa a realização de novas eleições.
O que fez Bolsonaro em seguida?
Ainda segundo as investigações, Bolsonaro teria solicitado que Martins fizesse algumas alterações na minuta o ex-presidente teria decidido manter a realização de novas eleições e a prisão de Moraes, suspendendo as demais. Alguns dias depois, Martins teria retornado ao Palácio da Alvorada, acompanhado por Saad, com o documento alterado.
Ao longo de novembro e dezembro, os registros de acesso do palácio mostram que o ex-assessor esteve ali em diversos dias, quase sempre por muitas horas, segundo decisão de Moraes.
“Seu contato com o então presidente no período foi frequente e relevante para a execução de atos que visavam o golpe de Estado”, escreveu o ministro.
O que teria acontecido depois da edição da minuta?
Bolsonaro, de acordo com as investigações, teria concordado com as alterações e convocado uma reunião com os comandantes das Forças Armadas para apresentar o documento e pressioná-los a aderir ao golpe.
No dia 7 de dezembro de 2022, ele teria se reunido com os generais Almir Garnier (Marinha) e Freire Gomes (Exército), o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o ex-assessor Filipe Martins, o advogado Amauri Saad e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Mensagens encaminhadas por Cid a Freire Gomes sinalizam, segundo a PF, que Bolsonaro estava ajustando o decreto e buscando o respaldo do general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, então chefe do Comando de Operações Terrestres o que demonstraria que a tentativa de golpe estava em andamento.
Theophilo, que esteve no Palácio do Planalto no dia 9 de dezembro de 2022, teria concordado em executar as medidas para o golpe, segundo mensagens trocadas entre Cid e o coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto. A única condição seria que o próprio Bolsonaro assinasse o decreto.
Enquanto isso, de acordo com a Polícia Federal, um núcleo formado pelo general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, pelo coronel do Exército Marcelo Câmara e por Cid monitorava diversas autoridades entre elas, o ministro Alexandre de Moraes. O objetivo seria assegurar o cumprimento da ordem de prisão contra ele prevista na minuta, caso o golpe fosse colocado em prática.
Onde versões físicas das minutas foram encontradas?
Como revelou a Folha de S.Paulo, uma minuta foi encontrada no dia 10 de janeiro de 2023, em operação de busca e apreensão contra o ex-ministro Anderson Torres. O documento de três páginas, feito em computador, foi encontrado em um armário na residência de Torres. Ele previa a instauração de estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a reversão do resultado eleitoral.
Na operação deflagrada pela PF na última quinta-feira (8), os agentes encontraram uma minuta na sala de Bolsonaro na sede do PL em Brasília. O documento previa declaração de estado de sítio e decretação de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) após a derrota nas eleições.
O que diz o ex-presidente?
A defesa de Bolsonaro negou seu envolvimento com a minuta golpista encontrada no PL. Seus advogados afirmam que foram eles os responsáveis por enviar ao ex-presidente duas minutas encontradas no celular do coronel Mauro Cid após a sua prisão, em maio de 2023. Segundo a defesa, Bolsonaro queria ficar a par da investigação e do conteúdo das minutas.
“O ex-presidente jamais participou ou mesmo conhecia tais ‘minutas golpistas’, delas tendo tomado conhecimento da existência só e somente por conta da apreensão do Ten Cel Art Mauro Cid, e a partir do acesso que lhe foi legalmente oportunizado por seu advogado constituído na investigação”, diz petição protocolada na investigação.
Os advogados também afirmam que Bolsonaro não costuma ler textos no celular, em função de problemas na vista, e por isso pediu para sua assessoria imprimir o documento.
Texto: Ana Luiza Albuquerque/Folhapress