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IGOR SIQUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Dunga anda em uma fase mais pacífica. Alex Escobar, da Globo, que o diga -já que ambos fizeram as pazes depois de 14 anos. Mas o capitão do tetra e ex-treinador da seleção brasileira não abre mão de dizer o que pensa. Mesmo que seja revelar um incômodo com Tite quando o próprio Dunga era o protagonista e o alvo da mudança no comando técnico do Brasil.
Em uma entrevista ao UOL feita ainda quando Dorival Júnior estava empregado, Dunga falou como vê a presença dos técnicos estrangeiros no Brasil. Segundo o ex-volante, os gringos viraram até uma bengala na qual os dirigentes se escoram quando precisam mudar algum trabalho.
Na CBF, inclusive, o caminho inicial para busca do novo técnico da seleção é feito com uma lista de estrangeiros na mão.
Técnico da seleção brasileira é um cargo político Dunga
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FALA, DUNGA!
PERGUNTA – O futebol te deu mais amigos ou mais inimigos?
DUNGA – A maioria dos amigos até nesta segunda-feira (31). O futebol me deu todos os amigos. Porque os que não são diretamente com o futebol, são indiretamente. Me abriu as portas para o mundo. Todo mundo paga para fazer turismo, tá? O futebol me fez conhecer culturas diferentes e eu recebi ainda. Ainda teve essa vantagem.
PERGUNTA – Mas teve gente que você acha assim: ‘Ah, com esse cara eu não quero nem falar, não quero estar perto’, o lado negativo disso tudo?
DUNGA – Não, não tenho isso comigo. Posso até não gostar do cara, mas eu respeito ele. E se tiver que falar, falo normalmente. Agora é diferente do cara querer conviver comigo, não vai conviver. Agora se a gente estiver em um lugar social, vou cumprimentar, vou falar numa boa, sem treta.
PERGUNTA – Evidentemente a carreira como jogador, campeão do mundo, não dá nem para comparar em relação ao que você conseguiu como treinador. Mas será que você foi um técnico bom? Como é que você se vê na função de treinador?
DUNGA – Olha, a gente tem que fazer uma comparação, né? Todos os técnicos que passaram pela seleção brasileira, a experiência que eles tiveram e o que eles quiseram ganhar dentro da seleção. Eu, como a minha primeira oportunidade como treinador, ganhar a Copa América, Copa das Confederações, classificar com três rodadas antecipadas, ganhar da Argentina depois de 30 anos nas Eliminatórias, ganhar do Uruguai… A medalha de bronze nas Olimpíadas, que talvez seja o meu melhor trabalho na seleção, que não é reconhecido. Mas você vai dizer: mas medalha de bronze? Como é que tem que ser reconhecido? É porque a gente fez um time em 15 dias. E dos 15 dias, na véspera dos jogos, tiraram os jogadores do time de 23 anos. Na véspera os caras batiam 4h da manhã no nosso quarto e falaram: se jogar com a camisa de tal marca, vocês vão ser eliminados. Nós tínhamos que tomar a decisão. Não tinha ninguém lá. Então pode ver quantas dificuldades a gente passou para conseguir chegar nessa medalha. Quantos treinadores passaram com experiência, com tanto nome, com tanta publicidade na seleção se ganharam isso?
PERGUNTA – Mas ter sido colocado duas vezes sem essa experiência talvez tenha te prejudicado? O timing de voltar para a seleção, o timing de ser escolhido para a seleção (2006 e 2014)?
DUNGA – A seleção é resultado. Esquece, os caras podem falar, os apaixonados. Eu fui sair da seleção porque perdemos para o Peru, um gol roubado, de mão. O jogo ficou 10 minutos parado, sem VAR, sem nada. Por que ficou 10 minutos parado, então, se é uma decisão do árbitro, gol de mão? Então, é muito relativo. Acrescentando, na minha passagem de seleção eu tinha todo mundo contra e tive esse resultado. Teve treinador que tinha tudo a favor e não ganhou o que eu ganhei.
PERGUNTA – Todo mundo contra o quê que você diz?
DUNGA – Ah, a imprensa não queria, era toda uma série de… Muitos fazendo campanha para entrar na seleção brasileira, né, no meu lugar. ‘É minha hora, é minha oportunidade, é minha chance, eu estudei’.
P – “Muitos” é o Tite?
D – É, ‘eu fiz, eu aconteci’. Botou a mãe, botou o pai, botou o tio, botou todo mundo, e todo mundo a favor. Teve o dobro [de tempo] em uma sequência. Em 2010 era para eu ter sequência. Porque perdemos, como acontece no futebol, em um detalhe, mas o time jogava. A forma como o time jogou a Copa das Confederações, estava jogando a Copa do Mundo. Tinha repertório. E aí, a mesma coisa aconteceu com o Parreira (1994). É um time retranqueiro, né? Pega quantos gols nós fazíamos e quantos nós tomamos. É número. As pessoas gostam tanto de número, mas eles não estudam quando vão criticar. Eles só veem quantos gols a seleção fazia. Tinha a Copa das Confederações, tinha o artilheiro… Mas é resultado. Ganhou, tu fica, tu passa por bom. Perdeu, tu tá ruim.
P – Você acha então que você poderia, ou talvez mereceria, ter ganhado um ciclo a mais depois de 2010
D – Pelos resultados que tinha feito [sim]. Não é que o Brasil jogou mal a Copa do Mundo, o Brasil jogou bem, só que a cobrança pelo resultado é absurda. Você vê a forma como o Brasil ganhou a Copa das Confederações, como jogava a Copa do Mundo, a Eliminatória como fez em 2010. Não é por 45 minutos que tu vai esquecer oito anos.
P – E por que então que você acha que não te deram esse segundo ciclo?
D – Porque o futebol é resultado. O que é mais fácil no futebol é cortar uma cabeça, resolver os problemas, o que todo mundo queria. O que todo mundo queria ver? Queria ver sangue. Queria ver o corta a cabeça. Tinha que ter um responsável. Tira o responsável, continuamos. Mudou o quê?
P – Mas aí, quando vem pra Copa de 2018 para 2022, o Tite consegue essa chance. Por que você acha que ele conseguiu e você não conseguiu, por exemplo?
D – Ah, isso tinha que perguntar pros teus amigos da imprensa.
P – Você acha que é só coisa da imprensa, CBF, mentalidade de futebol?
D – Não, acho que foi a imprensa. Ele tinha total apoio 100% da imprensa. 100% com ele. E aí vem aquela questão, né, que a gente tá conversando aqui antes. Estudar. Tu não estuda só na faculdade. Tu não estuda só na escola. Nós estamos conversando aqui, estamos estudando. Estamos trocando ideia, temos ideias novas, estamos acrescentando alguma coisa, tá vendo o jogo, tá vendo isso. nesta segunda-feira (31) em dia, no futebol brasileiro, são dois fatores para você ser treinador no Brasil nesta segunda-feira (31), tá? Dois fatores que são importantes no Brasil nesta segunda-feira (31). Primeiro fator: eu estudei, tu é treinador. Segundo: se tiver um passaporte europeu, tu é treinador. Vamos acrescentar a terceira: eu fui lá fora fazer um curso. Olha quantos caras nós temos no Brasil. E aí, por que tudo de lá (fora)? Lógico, os caras são bons também. Os caras têm gente boa. Mas não é todo mundo. Por que a gente não faz uma comparação de quantos treinadores vieram para o Brasil, estrangeiros, e quantos deram certo?
P – A gente vai olhar para o topo, vai olhar para os últimos anos: Abel Ferreira, Jorge Jesus e agora Arthur Jorge, no Botafogo…
D – Renato Gaúcho ganhou no Flamengo, Rogério Ceni ganhou no Flamengo, Cuca ganhou no Atlético-MG. Tem vários treinadores que ganharam no Brasileiro também. E aí o material humano, o que que tu tem: qual é a qualidade que tu tem de jogadores?
P – Mas por que você acha que esses caras estrangeiros estão ganhando moral também? Em relação ao que a gente produz de treinador?
D – Porque é uma bengala do futebol brasileiro. Tu quer resolver os teus problemas, tu traz um treinador estrangeiro e tu resolveu.
Veja bem, eu não sou contra treinador estrangeiro porque eu fui jogador estrangeiro. Jogador, treinador estrangeiro tem que fazer diferença e tem que deixar um legado pro futebol brasileiro. Quando eles saírem daqui, a gente tem que ter aprendido alguma coisa com eles.
Por exemplo, eu não posso deixar um jogador estrangeiro na reserva. Por casualidade, ele até pode ficar na reserva, mas se ele vem para ficar na reserva… Eu investi 10 anos num jogador da base e eu não vou dar oportunidade agora, deixo o jogador da base na reserva? Então isso é uma bengala do futebol brasileiro. Se você é o cara para jogar, que vai fazer a diferença, que vai ser o melhor do time, perfeito.
Porque os jovens vão estar vendo esse jogador, como o D’Alessandro no Inter. Os jovens se inspiram, competitividade, profissionalismo, como jogar, vamos fazer o Lugano no São Paulo, os zagueiros se inspiravam, força física, posicionamento. Agora traz um jogador que vai acrescentar o quê?
P – A sua crítica então é essa contratação, vamos dizer assim, meio que esmo de alguns treinadores. Treinador demais, vamos dizer assim.
D – “Só ver os resultados. Se tu der resultado, perfeito. Tu se é novidade, tu se é conhecimento, tu se é bem. Agora, eu fico incomodado assim, que o treinador brasileiro, se ele é vice-campeão, pô, leva pau de tudo. O estrangeiro é vice-campeão, pô, que baita campeonato que o cara fez. Aí o cara luta para não cair e se salva, bah, que baita trabalho. O brasileiro lutou para não cair e se salva, é ruim. Bah, tu viu, ele tinha que ser campeão. Pô, não… É essa de dois pesos, duas medidas, né?”
P – Como é que você enxergou o fato de o Tite engrenar nesse primeiro ciclo dele e também pegando aquelas dificuldades de trabalho que estavam ainda na sua época de 2016?
D – Ah, eu acho que é mérito dele. Não tem… Ah, eu não sou saudosista. Saiu, saiu. Acabou. Já zerou a conta. É outro, né? E bola para frente. Assim como o resultado negativo também é a responsabilidade dele, né? Porque todo mundo é bom e todo mundo é ruim. O que o futebol brasileiro tem que mudar é que a gente não sabe elogiar os caras, a gente só sabe criticar. Cada um tem a sua oportunidade e quando tem a sua oportunidade vai lá e demonstra quem tu é. Só que eu não posso expor quem tá lá no momento. Se eu não fui escolhido, é como o jogador: não foi convocado, pô! Vai lá e joga melhor, te prepara para quando o dia chegar. Vai lá e mostra que tu era bom, que tu era diferente, que tu era o melhor. Aí quando chega a oportunidade: pô, mas tu não falou que estava preparado, que tu era o suprassumo, que tu estudou, que tu fez? É a mesma coisa com o jogador. Então, só tem uma verdade, o campo e o resultado que vão definir tudo.
P – Você acha que, de certa forma, não diretamente ou indiretamente, até que ponto o fato de ele ter dito que se preparou pra isso, talvez tenha te atrapalhado ou tenha puxado seu tapete nisso tudo? Como é que você vê isso?
D – É uma série de fatores, né? Lógico, fomentou. Ele convidou a imprensa na casa dele, botou os livros que tinha visto os jogos, que tinha anotado, que tinha feito, que tinha… Só que é o seguinte: eu anoto aqui, tá? ‘Vou ganhar’. Quando chego lá dentro, depende do jogador, depende do tempo, depende do adversário, depende do momento. Depende de uma série de fatores. Se os caras vão entender o que eu estou falando, se não vão entender. Naquele dia, o jogador não estava bem, teve uma lesão. Então é uma série de fatores. É isso que eu falo. Todo mundo é bom, cara. O que eu não concordo no futebol brasileiro é o cara chegar… Técnico da seleção brasileira é um cargo político, é um cargo do presidente. Tu foi escolhido, tu vai lá e faz o teu trabalho, entendeu?